Pérolas de Sabedoria

quinta-feira, outubro 13, 2011

ELOGIO AO AMOR

“Há coisas que não são para se perceberem. Esta é uma delas. Tenho uma coisa para dizer e não sei como hei-de dizê-la. Muito do que se segue pode ser, por isso, incompreensível. A culpa é minha. O que for incompreensível não é mesmo para se perceber. Não é por falta de clareza. Serei muito claro. Eu próprio percebo pouco do que tenho para dizer. Mas tenho de dizê-lo.

O que quero é fazer o elogio do amor puro. Parece-me que já ninguém se apaixona de verdade. Já ninguém quer viver um amor impossível. Já ninguém aceita amar sem uma razão. Hoje as pessoas apaixonam-se por uma questão de prática. Porque dá jeito. Porque são colegas e estão ali mesmo ao lado. Porque se dão bem e não se chateiam muito. Porque faz sentido. Porque é mais barato, por causa da casa. Por causa da cama. Por causa das cuecas e das calças e das contas da lavandaria.

Hoje em dia as pessoas fazem contratos pré-nupciais, discutem tudo de antemão, fazem planos e à mínima merdinha entram logo em “diálogo”. O amor passou a ser passível de ser combinado. Os amantes tornaram-se sócios. Reúnem-se, discutem problemas, tomam decisões. O amor transformou-se numa variante psico-sócio-bio-ecológica de camaradagem. A paixão, que devia ser desmedida, é na medida do possível. O amor tornou-se uma questão prática. O resultado é que as pessoas, em vez de se apaixonarem de verdade, ficam “praticamente” apaixonadas.

Eu quero fazer o elogio do amor puro, do amor cego, do amor estúpido, do amor doente, do único amor verdadeiro que há, estou farto de conversas, farto de compreensões, farto de conveniências de serviço. Nunca vi namorados tão embrutecidos, tão cobardes e tão comodistas como os de hoje. Incapazes de um gesto largo, de correr um risco, de um rasgo de ousadia, são uma raça de telefoneiros e capangas de cantina, malta do “tá bem, tudo bem”, tomadores de bicas, alcançadores de compromissos, bananóides, borra-botas, matadores do romance, romanticidas. Já ninguém se apaixona? Já ninguém aceita a paixão pura, a saudade sem fim, a tristeza, o desequilíbrio, o medo, o custo, o amor, a doença que é como um cancro a comer-nos o coração e que nos canta no peito ao mesmo tempo?

O amor é uma coisa, a vida é outra. O amor não é para ser uma ajudinha. Não é para ser o alívio, o repouso, o intervalo, a pancadinha nas costas, a pausa que refresca, o pronto-socorro da tortuosa estrada da vida,o nosso “dá lá um jeitinho sentimental”. Odeio esta mania contemporânea por sopas e descanso. Odeio os novos casalinhos. Para onde quer que se olhe, já não se vê romance, gritaria, maluquice, facada, abraços, flores. O amor fechou a loja. Foi trespassada ao pessoal da pantufa e da serenidade. Amor é amor. É essa beleza. É esse perigo. O nosso amor não é para nos compreender, não é para nos ajudar, não é para nos fazer felizes. Tanto pode como não pode. Tanto faz. É uma questão de azar.

O nosso amor não é para nos amar, para nos levar de repente ao céu, a tempo ainda de apanhar um bocadinho de inferno aberto. O amor é uma coisa, a vida é outra. A vida às vezes mata o amor. A “vidinha” é uma convivência assassina. O amor puro não é um meio, não é um fim, não é um princípio, não é um destino. O amor puro é uma condição. Tem tanto a ver com a vida de cada um como o clima. O amor não se percebe. Não é para perceber. O amor é um estado de quem se sente. O amor é a nossa alma. É a nossa alma a desatar. A desatar a correr atrás do que não sabe, não apanha, não larga, não compreende.

O amor é uma verdade. É por isso que a ilusão é necessária. A ilusão é bonita, não faz mal. Que se invente e minta e sonhe o que quiser. O amor é uma coisa, a vida é outra. A realidade pode matar, o amor é mais bonito que a vida. A vida que se lixe. Num momento, num olhar, o coração apanha-se para sempre. Ama-se alguém. Por muito longe, por muito difícil, por muito desesperadamente. O coração guarda o que se nos escapa das mãos. E durante o dia e durante a vida, quando não esta lá quem se ama, não é ela que nos acompanha – é o nosso amor, o amor que se lhe tem. Não é para perceber. É sinal de amor puro não se perceber, amar e não se ter, querer e não guardar a esperança, doer sem ficar magoado, viver sozinho, triste, mas mais acompanhado de quem vive feliz. Não se pode ceder. Não se pode resistir. A vida é uma coisa, o amor é outra. A vida dura a Vida inteira, o amor não. Só um mundo de amor pode durar a vida inteira. E valê-la também.”

MEC

quinta-feira, outubro 06, 2011

NÃO, NADA VOLTA A SER COMO ANTES

Não, as coisas nunca voltam a ser as mesmas e nós não voltamos a ser os mesmos. Há um dia, uma altura, em que isto se torna simplesmente evidente e em que o peso desta realidade se torna demasiado para que possamos continuar a ignorá-la…
Não, nós mudamos, tudo muda à nossa volta e nada volta a ser aquilo que foi, nada a fazer!
Não, nós não voltamos a ser os mesmos desses dias em que víamos um potencial amigo em cada estranho,  os mesmos que acreditavam em toda a gente a toda a hora, que pensavam que todos os sonhos se podem realizar e que achavam que bastava querer muito para conseguir tudo…
Nós crescemos, demais. E nada é igual ao que era antes. Vimos, ouvimos e sabemos demais. E isso vê-se nas conversas pragmáticas e desapaixonadas, nos votos de vencido que fazemos todos os dias mais por uma consciência tranquila que por acharmos que vai mudar alguma coisa.
É verdade, as coisas mudam, as pessoas também…
Nada é igual a antes de se ouvir um disparate , desfazer uma amizade, fazer uma asneira, ver um equivoco tornar-se demasiado grande para se ultrapassar, ter um sonho irremediavelmente desfeito, um desgosto demasiado pesado, uma confiança traída…
Nada é igual, porque todas as pequenas coisas que fazem os nossos dias mudam o que  é e o que foi, o que fomos e o que somos.
E, por isto, os nossos lugares também não voltam a ser os mesmos, porque tudo se transforma. Sem se perder, é o que dizem…
Não são iguais ruas onde passámos, embora sejam as mesmas, nem são iguais as escolas onde estudámos ou as casas em que vivemos, nem sequer são iguais as caras das pessoas que conhecemos e que vemos nas fotografias que tirámos… Não são os mesmos olhos que vêem hoje.
Mas há sempre algo que fica disso tudo, algo puro que cristalizou, como a fruta do bolo-rei que comíamos noutros Natais, daqueles que tinham o brinde e a fava e sabiam de outra maneira. De tudo isso, das ruas, das escolas, das casas e das caras, resta uma memória, uma história pequenina e intemporal que não cresce connosco, que ficou lá e que se afagares a lâmpada aparece como o génio só para realizar, por um bocadinho, aquele sonho mais escondido e infantil de voltar atrás…

Para seguir em frente!